Opinião

Urticária crónica – porque tratamos a doença até que ela se vá embora

08 Nov. 2022

A Dr.ª Ana Brasileiro, do Serviço de Dermatologia e Venereologia do Hospital Santo António dos Capuchos, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, elaborou um artigo de opinião alusivo à urticária crónica e ao impacto negativo que a patologia pode causar na vida do doente, apontando que se trata de uma doença crónica, mas que não possui um fator de risco letal como é, por exemplo, o colesterol com efeitos cardiovasculares.

Um em cada cinco indivíduos experimentarão pelo menos um episódio de urticária ao longo da sua vida. Destes, a maioria terá um quadro clínico autolimitado, isto é, com duração de alguns dias a semanas, enquanto que numa minoria dos doentes a condição persistirá além das 6 semanas, o cut off para a cronicidade, no que à urticária diz respeito.

A urticária crónica acomete cerca de 1 % da população mundial, e caracteriza-se pelo aparecimento de placas pruriginosas que mudam de localização em menos de 24 horas, não deixando qualquer alteração na pele após o seu desaparecimento. É uma condição extremamente debilitante, e isto decorre essencialmente de dois aspetos: o primeiro, o prurido, que é frequentemente intenso e afeta significativamente a qualidade do sono (e de vida), e o segundo, a imprevisibilidade das lesões – o seu comportamento migratório, em algumas horas, faz com que um doente com urticária tão depressa possa ter lesões nos pés como nos glúteos ou na face, o que impacta sobejamente – e de modos diferentes – a sua vida e relação com o mundo.

Embora para mim este impacto seja óbvio, sei, porque os doentes me contam, que o mesmo nem sempre é reconhecido pelas pessoas mais próximas, e ainda menos pelos restantes elementos da sociedade. Neste julgamento, ou melhor, nesta menosprezada perceção de doença pouco significativa, pesa seguramente o facto de não ter, felizmente, risco de vida associado – desenganem-se aqueles que pensam que a urticária se associa a edema da glote, com risco de compromisso respiratório, porque tal associação constitui uma raridade, e caso tal suceda, será provavelmente melhor explicada por uma reação anafilática com envolvimento cutâneo e respiratório. Pesará também, por outro lado, o facto de a urticária não ser um fator de risco para algo que mate; ou seja, para muitos será mais compreensível a preocupação com a elevação do colesterol – habitualmente assintomática, invisível – porque esta acarreta um aumento do risco cardiovascular, do que a presença de lesões vermelhas e elevadas, tipo “baba”, que aparecem e desaparecem, teimando em ser imprevisíveis e causar uma intensa e persistente vontade de coçar, coçar e coçar – porque afinal de contas, isso é chato, como diz o ditado, mas não mata nem aumenta o risco de morte. E portanto, a perda de qualidade de vida nos doentes com urticária, superior a outras doenças dermatológicas tão impactantes como a psoríase ou a hidradenite supurativa, é majorada pela incompreensão da sua família, dos colegas de trabalho e de tantos outros, e a pessoa com urticária sente-se triste, incompreendida, como se a sua doença não consistisse legítimo incómodo.

Tudo isto se conjuga com a presença de diversas comorbilidades psiquiátricas, como ansiedade e depressão, que acometem cerca de um terço dos doentes e agravam todo o quadro, porque conferem uma tonalidade cinzenta à vida. E, claro, podem levar a que os doentes se isolem, e desistam até de procurar um tratamento para a sua doença.

É por tudo isto que precisamos de tratar a urticária eficazmente, até que ela se vá embora. Porque um dia – e este é um dos melhores momentos, para mim, das minhas consultas de urticária, aquele em que explico aos doentes que um dia, a doença se vai embora. Estima-se que a urticária espontânea crónica dure em média, 5 a 7 anos. Logicamente que quando falamos de média, sabemos que existem pessoas com duração de doença inferior e superior. Embora, na verdade, qualquer que seja a duração, será sempre um tempo longo para que se perca qualidade de vida de sobremaneira – e é por isso, repito, que é preciso tentar ativamente controlar a doença, até que ela chegue ao seu fim.

A mensagem é de esperança: a urticária é crónica, sim, mas não é para sempre. E nisto, pelo menos nisto, a urticária é melhor que o colesterol – um dia, vai embora.

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